ARTIGO: “Somos mistério e comunhão”, por Aldeone Pereira

Na história ocidental, a filosofia grega é apontada como ponto inicial da reflexão do homem sobre o homem. Dentre os principais pensadores está o filósofo Sócrates, que inaugura um período de sistematização da antropologia com sua célebre convocação: “conhece-te a ti mesmo”. Nela já se encontra o caráter mistérico da pessoa humana, marcado pela atitude existencial de questionar-se acerca da própria realidade, estreitando os laços de relacionamento consigo mesmo.

As sementes da reflexão filosófica sobre o homem encontram-se bem antes, já no período pré-socrático, quando diante do cosmo surge a admiração e o espanto, que se origina que se originam as perguntas sobre o elemento básico dos princípios formativos do Universo e, portanto, da essência da criação. Na postura de admiração ou espanto está o pressuposto de uma existência humana que se lança para fora de si no sentido de buscar conhecer a realidade que o cerca, revelando a si próprio como ser que é interpelação e fascínio, ou seja, mistério.

O homem é um ser de comunhão. Ele deseja conhecer as respostas para os seus dramas, pergunta sobre si mesmo e sobre Deus. Mas não é somente na relação consigo ou com o cosmo que se encontra o apelo provocante da existência humana, que a caracteriza essencialmente mistério. É sobretudo na relação com o OUTRO, ou seja, na relação inter-humana que se fundamenta a pessoa como mistério. Em outras palavras, a subjetividade diante da alteridade é reciprocamente sempre provocação ou apelo questionante, uma provocação ao infinito e à abertura.

Diante de si mesmo, do mundo e do outro, surge o que é comumente chamado de pessoa. Nela encontra-se o mistério da existência humana que consiste fundamentalmente na relação, donde se diz que é na comunhão que se dá a construção do ser.

Para Leonardo Boff, filósofo e teólogo, a pessoa humana não é um ser acabado ou fechado, mas um ser em construção e aberto a si mesmo, ao mundo e aos outros. É um projeto e, como tal, mutável, adaptável e, mais ainda, que não pode ser aprisionado por ninguém e por nada. Nem mesmo pela cultura que muitas vezes gera mecanismos de dominação. A pessoa humana é existencialmente protesto, confirmando a condição existencial que o faz um ser questionador.

Portanto, a afirmação da pessoa como um mistério ou um protesto surge enquanto experiência existencial da liberdade, pela qual decide sair de si para realizar a comunhão com um mundo e com os outros.

*Aldeone Pereira – Ex-padre, Advogado